Quem sou eu

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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

29 maio, 2017

Para um nem nascido

Nem bem nascemos
e nos cobrem de perguntas, de elogios e desculpas

Nem bem fomos concebidos
e nos cobram medidas, nomes e explicações

Nem nasce o dia
e do outro lado do oceano chacoalham as plantas, ouve-se o canto dos pássaros, anseia-se a iminência da lua mais bela

18 abril, 2016

Do golpe




é triste
mas a solidão
não anuncia derrotas
lugar das ruas é no
peito onde amarga
o golpe violento
da hipocrisia

hoje o domingo
não tem cores para
enfeitar a vida
que vai resvalando
pelas calçadas
tão estranhamente

iluminadas e desfiguradas



12 maio, 2015

Despedida de um amigo

você chegando era um alvoroço
sua pele alva de menino moço

sua risada revelava o mar
em que a gente esconde
as armadilhas da vida

quando eles iam embora
a gente via em você
um silêncio furioso

era também uma vontade
de ter tudo junto
pra sempre
inclusive o tempo perdido

tinha uns anos
que a gente não se via
mas a conversa
sempre na barriga da poesia

agora é que você vai longe
todo mundo ocupado com a rotina
e o tempo doido pra ser inventado
nos seus olhos iridescentes

só a infância é que pode
levar a algum lugar
não é?

22 setembro, 2013

Resenha biográfica


Nasci numa rua torta no canto do umbigo de São Paulo
perto de um rio fedido onde ninguém ia nadar

Entre os apartamentos e as ruazinhas espremidas
eu dava de cara com um parque verde, muito bacana
a gente soltava pipa, andava de bike e ralava os joelhos.

Tinha muita chuva, muito carro, uma barulheira
mas não é isso que eu me lembro de lá
eu me lembro das escolas por onde eu passei

E a cada vez que eu trocava de escola, eu pensava
que nenhuma escola podia dar conta da vida só com livros.

Hoje parece uma coisa besta, mas na época eu me lembro
de pensar que a escola servia para visitar os amigos
                            [e isso eu tive a sorte de ter.

Avançando no tempo, eu me lembro de descobrir
que São Paulo não era uma prisão, era um lugar enorme
onde ninguém poderia nos encontrar, se agente quisesse
(mas vez ou outra, eu topava com a minha ex-namorada
com aquele cara que me ameaçava no primário, com rato morto).

Então eu tentei me esconder um dia, em um lugar que eu nunca
tinha ido antes. E lá passava um onibus com o nome do meu bairro
assim que eu desci do onibus, outro onibus ligou e foi saindo
e eu saí correndo atrás dele, com medo de me esquecer onde eu morava.

E me lembro de certo dia pensar, como é que se vive por aqui?
Percorrendo sempre os mesmos lugares, numa cidade tão grande
que dá até medo de se perder. E comecei a sair observando as pessoas.
As mesmas pessoas que gritam nos semáforos, que jogam panfletos no chão
sem nem ao menos ler a primeira página.

Acho que em algum momento eu me dei conta de que a vida lá seria
um saco. E eu nem tinha começado a trabalhar e já queria me aposentar.
Então eu fui fazer faculdade fora de São Paulo.

Senti medo, de não saber nada. Mas olha que coisa engraçada.
Assim que eu me lavei de São Paulo, como num banho bem longo,
de umas duas semanas.

Eu comecei a andar mais devagar, porque não tinha pressa. Eu consegui ouvir
os barulhos no silêncio, que era uma coisa assustadora demais. E eu me senti
sozinho, mas foi um sozinho bom, como se eu não estivesse sendo observado.

Eu ouvi bom dia de gente que eu nunca tinha visto antes. E dei bom dia.
E não necessariamente foi um bom dia.

E agora, vez ou outra me perguntam se eu vou voltar para lá
e às vezes eu respondo que não, as vezes que sim, e às vezes
invento alguma coisa para não responder nada, porque não dá
mesmo para saber para onde vai a nossa vida, no máximo para onde
se quer leva-la, se ela couber.

Eu acho que o buraco que eu deixei em São Paulo, quando eu saí
foi tão pequeno que alguém já tomou ele, sem querer.
E o esforço para caber de volta é tão grande que eu vou
ficar só espiando o movimento, um pouco de longe,
esperando alguma hora tranquila para poder me despedir.

Assis, 22 de setembro de 2013.

22 agosto, 2013

Prefácio para um Curriculum Vitae


Tenho vinte e três anos e estou no quinto e último ano de Psicologia. A todo momento me perguntam “E aí? Já sabe o que vai fazer?”, isso nos melhores dias. Há dias em que tento me esquivar dos antiquíssimos “Vai atender criança ou adulto?”. Outros dias me arrependo de confessar minha condição de estudante. “Mas vai abrir consultório ou vai para empresa?”, e desvio como um pugilista, devolvendo “Hoje em dia há uma porção de lugares para um psicólogo, nas escolas, na consultoria, na saúde pública, em projetos sociais etc.”. Mas compreendo que é só uma maneira de se puxar assunto, assim como se pergunta a um adolescente sobre namoros, a escola. Nem a gente que estuda cinco anos sabe bem o que é que vai fazer um psicólogo solto no mercado de trabalho.
        Mas junto destas respostas, temo ter que confessar o inevitável. Não tenho jeito para psicólogo. E quando digo isso podem bem me dizer que sou ótimo para ouvir os outros, que sou atencioso, que não tiro conclusões precipitadas. Que tenho quase as qualidades de um barman importado direto dos filmes ou de um taxista das metrópoles — depósito imaginário das histórias mais absurdas e usuais da humanidade. Outra característica comum entre estas pessoas com quem tenho me encontrado nos últimos cinco anos é deduzir que um estudante de psicologia tem paixão (e talvez a necessidade) de escutar meticulosamente a vida alheia, estando disponível principalmente em longas viagens de ônibus para terapias intermináveis, tanto do passageiro ao lado quanto de seus familiares que nem se encontram no ônibus. Tenho uma prima que é meio psicossomática, sabe? O problema dela é que ...
           Mas o que então eu quero fazer depois de formado? E esta é uma pergunta que eu me faço desde muito antes de assinalar Psicologia na lista do vestibular. É uma pergunta maldita para alguns. O que é que eu vou fazer da vida? Eu gostaria até de poder responde-la definitivamente. Mas nem quase eu consigo. Então eu volto para a infância, perto das memórias guardadas, bem perto da primeira briga, da primeira vez que me mijei na escola. Lá eu vejo um menino de uns oito anos virando para os pais e perguntando se existe criança escritora. E um tempo depois um menino que começa a escrever crônicas, emitir opiniões sobre o que é ser criança e outras coisas. Às vezes ele diz para os outros que quer ser escritor. As imagens deste menino são bruscamente arrancadas dos meus olhos, como se me arrancassem da mão uma fotografia, e nos dedos seguro as bordas do papel rasgado.
            Durante minha graduação em Psicologia tentei escrever dois livros de contos, que de tantas revisões, enxertos, acabaram por se perder, restando alguns contos de valor sentimental e quase nenhum valor literário. Um romance escrito durante um feriado, que serviu de experiência para lidar com a solidão. Dois blogs de poesia, agrupados em um documento de Word, que seguem o curso tímido e intimo da poesia, e uma série de textos inacabados, confissões em um diário no Bloco de Notas, vários cadernos espalhados pela casa com ideias para livros e contos que nunca vou continuar.
       Tentei abraçar a produção literária, criando um jornal literário artístico junto com dois amigos, uma experiência incrível do que é trabalhar em equipe, sem apoio de ninguém, lidando com estruturas e burocracias do serviço público. O jornal rodou pelo Campus, viajou em alguns estados e agora repousa em sua aposentadoria precoce.
          Estive durante a graduação, tão preocupado em escrever para virar escritor e acho que deixei de lado a formação para a qual eu me inscrevi. E não me arrependo. Acho inclusive que aprendi mais de Psicologia às margens da faculdade do que na sala de aula. Acho que aprendi mais sobre a vida, sobre como conduzir minhas ações levando em conta seus desdobramentos na vida dos outros, fazendo e perdendo amigos do que aprenderia nas aulas de Ética. Aprendi mais sobre como intervir numa crise de ansiedade, durante as madrugadas de república do que num manual de psicopatologias. Tive que me recompor ao perceber que os valores que eu carregava em mim eram pedaços de discursos que estavam entranhados em mim, feito cacos de vidro depois de um acidente de carro. E isto nenhuma aula de Processos de Subjetivação ou Psicanálise poderia ter feito.
       Através de uma formação em psicologia, muito vivi e experimentei. O que não pude experimentar, inventei. A psicologia é como um rio caudaloso e agitado que te joga para as margens, te engole e depois cospe adiante, às vezes seca em um lugar, e logo alarga e faz circular outras coisas, que como todas as coisas fluidas, são passageiras. Só a viagem permanece. E se a psicologia me jogar para um caminho, tudo bem. Se eu resolver descer e ir a pé por outro, pode ser também. O que eu quero fazer da vida? Vou experimentar o que ela me der, e se não for o bastante, vou inventando junto.