Nasci numa rua torta no canto do umbigo de São Paulo
perto de um rio fedido onde ninguém ia nadar
Entre os apartamentos e as ruazinhas espremidas
eu dava de cara com um parque verde, muito bacana
a gente soltava pipa, andava de bike e ralava os joelhos.
Tinha muita chuva, muito carro, uma barulheira
mas não é isso que eu me lembro de lá
eu me lembro das escolas por onde eu passei
E a cada vez que eu trocava de escola, eu pensava
que nenhuma escola podia dar conta da vida só com livros.
Hoje parece uma coisa besta, mas na época eu me lembro
de pensar que a escola servia para visitar os amigos
[e isso eu tive a sorte de ter.
Avançando no tempo, eu me lembro de descobrir
que São Paulo não era uma prisão, era um lugar enorme
onde ninguém poderia nos encontrar, se agente quisesse
(mas vez ou outra, eu topava com a minha ex-namorada
com aquele cara que me ameaçava no primário, com rato morto).
Então eu tentei me esconder um dia, em um lugar que eu nunca
tinha ido antes. E lá passava um onibus com o nome do meu bairro
assim que eu desci do onibus, outro onibus ligou e foi saindo
e eu saí correndo atrás dele, com medo de me esquecer onde eu morava.
E me lembro de certo dia pensar, como é que se vive por aqui?
Percorrendo sempre os mesmos lugares, numa cidade tão grande
que dá até medo de se perder. E comecei a sair observando as pessoas.
As mesmas pessoas que gritam nos semáforos, que jogam panfletos no chão
sem nem ao menos ler a primeira página.
Acho que em algum momento eu me dei conta de que a vida lá seria
um saco. E eu nem tinha começado a trabalhar e já queria me aposentar.
Então eu fui fazer faculdade fora de São Paulo.
Senti medo, de não saber nada. Mas olha que coisa engraçada.
Assim que eu me lavei de São Paulo, como num banho bem longo,
de umas duas semanas.
Eu comecei a andar mais devagar, porque não tinha pressa. Eu consegui ouvir
os barulhos no silêncio, que era uma coisa assustadora demais. E eu me senti
sozinho, mas foi um sozinho bom, como se eu não estivesse sendo observado.
Eu ouvi bom dia de gente que eu nunca tinha visto antes. E dei bom dia.
E não necessariamente foi um bom dia.
E agora, vez ou outra me perguntam se eu vou voltar para lá
e às vezes eu respondo que não, as vezes que sim, e às vezes
invento alguma coisa para não responder nada, porque não dá
mesmo para saber para onde vai a nossa vida, no máximo para onde
se quer leva-la, se ela couber.
Eu acho que o buraco que eu deixei em São Paulo, quando eu saí
foi tão pequeno que alguém já tomou ele, sem querer.
E o esforço para caber de volta é tão grande que eu vou
ficar só espiando o movimento, um pouco de longe,
esperando alguma hora tranquila para poder me despedir.
Assis, 22 de setembro de 2013.